Ela foi dormir com medo, ela nunca havia ficado sozinha enquanto seus pais viajavam, mas logo
desencanou. Embora tenha demorado um longo período de tempo para dormir, adormeceu profundamente, como quem não quer acordar nunca mais. Um pesadelo, uma multidão corria atrás dela e ela não podia fugir, não conseguia, a multidão se aproximava cada vez mais e quando a alcançaram, seguraram seus cabelos e.. ela acordou, assustada. Ele estava mexendo em seus cabelos carinhosamente e olhando sua face com uma ternura sem igual, a primeira
reação dela foi dar o chute mais forte que pode naquele estranho que havia invadido sua casa, mas no segundo seguinte ela já estava no chão, ao lado dele, tentando fazê-lo recuperar as forças.
- Como foi que você veio parar aqui ? - ela disse, perplexa.
- Eu tinha suas chaves, você pensou que as tivesse perdido a algum tempo atrás, mas esqueceu elas em minha casa, nossos amigos estão na sala, espero que não se importe.
Ele se levanta e ela tenta ajudar, talvez um pouco tarde demais. Ele estava em pé, e olhava para ela. Ela olha para o joelho dele:
- Desculpe por isso, eu não poderia imaginar...
- E eu não poderia te culpar.
- Afinal, o que você veio fazer aqui, depois de tudo que aconteceu ?
Ele não sabia, ele não poderia saber, ele fez o que deu vontade de fazer, como sempre. Ele não entendia o fato de ela ter fingido que ele não existia por tanto tempo, ele não enxergava o que havia feito como ela, ele não havia prestado muita atenção. Ele nunca prestava atenção. Ele não respondeu à pergunta dela.
- Você sabe que me deixou sozinha no pior momento, e você dizia que era meu melhor amigo, eu precisava de você e você não estava lá.
- Tanta coisa aconteceu...
- E eu sei disso muito bem, porque eu sempre te ouvi, desde que éramos crianças. Pena que não posso dizer o mesmo de você.
- Não foi pra falar disso que eu vim aqui, você...
- Não importa o que você veio falar, você fugiu dessa conversa por um ano e quatro meses, como se isso não bastasse para eu não olhar mais na sua cara.
- Aquela garota, aquela garota não gostava de você, ela tinha ciúmes de você, eu tinha que me distanciar se quisesse continuar com ela.
- Você havia me dito que não amava aquela garota, e eu acreditei em você, mais uma vez eu acreditei em você quando não deveria.
- Eu nunca a amei, mas eu precisava dela para esquecer...
- Se não amasse você não haveria feito isso comigo, não quando eu quase...
- ... esquecer você.
- ... quase disse pra você nunca deixei de te amar, desde a terceira série, e até hoje.
Eles se olharam nos olhos, como se soubessem de tudo isso a muito tempo, mas não achassem que algum dia fossem realmente dizer isso um para o outro. Ficaram e silêncio por longos segundos.
- Quem está lá fora ?
- As pessoas que você preferiu que o tempo apagasse.
E ela abaixou a cabeça e sentou-se na cama, e ele a observou por um tempo, até que sentou-se ao seu lado e apoiou sua cabeça no ombro dela.
- Eu senti sua falta.
- Eu sinto sua falta.
- Você me perdoa ?
- Não.
Ele levanta a cabeça e olha pra ela, enquanto ela levanta e para de frente para ele, que levanta no mesmo instante.
- Você é um idiota – e ela o abraça demoradamente, e dá um beijo em sua testa – mas nunca vai deixar de ser meu melhor amigo e nada além disso, você é um cafajeste.
- Eu também te amo.
- A quem estamos enganando ? Temos uma casa vazia e as melhores pessoas do mundo, das quais eu nunca deveria ter me separado. O que podemos propor ?
- Festa seria um termo apropriado.
Os pais dela chegaram no dia seguinte, no começo da tarde.
Todos estavam bêbados.
Sua filha estava deitada em sua cama.
Nua.
Havia um garoto ao seu lado, e eles conheciam muito bem aquele garoto, era o garoto pelo qual sua filha havia chorado quando criança, e era o garoto com quem ela estaria casada nove meses depois, o garoto que segurava o neto deles no colo.