quinta-feira, 21 de maio de 2009

Pequeno Grande Conto

por Marina Nascimbeni, para quem quiser ler.

Era novembro de 2004 e já começava a esquentar. Fazia poucos meses que eu saíra da casa de meus pais para viver minha própria vida. Mudei a procura de liberdade mas acabei aprisionado pelos meus próprios deveres como cidadão livre e pela minha nova responsabilidade.
Os cuidados com a casa eram muitos e esse foi o grande motivo por eu ter colocado aquele anúncio no jornal, “de boa índole, aproximadamente 21 anos”. A busca pelo companheiro de quarto ideal durara dois dias, até que obtive, por e-mail, minha ‘luz no fim do túnel’: “Bom dia Diego, meu nome é Alexandre e estou me formando em Relações Internacionais este ano, assim como você. Também procuro alguém para dividir um apartamento. Sou solteiro e saio pouco, gosto de estudar e dificilmente tenho namorada. Trabalho meio período mas ganho o suficiente para não precisar de muito mais do que isso. Nos falamos, abraço”.
Em uma semana ele já estava morando comigo. No primeiro mês, ele pareceu o companheiro de quarto perfeito, não que isso tenha mudado, mas no segundo encontrei um pacotinho de cocaína em sua cama. Quando consegui conversar sobre isso, me disse que era só para desestressar, que a vida andava difícil, me perguntou se eu queria experimentar. Eu disse que não. Mais alguns meses e ele continuava com aquilo, sempre feliz enquanto minha vida parecia cair aos pedaços. Em uma semana briguei com meus pais, terminei com minha namorada e bati o carro, quebrei o freio, não tinha dinheiro para consertar. Alexandre apareceu e, pela primeira vez, não pude recusar. Aquilo me fez esquecer tudo, não consegui mais parar. Os poucos amigos que restavam diziam: “Diego, ah Diego, que é que você tem?”, mas eu não podia, não conseguia responder, até que Alexandre se tornou a única pessoa com quem eu podia contar. Sabe, com o tempo as pessoas percebem e acabam se afastando de você.
Certo dia, cheguei no trabalho logo após ter cheirado uma ou duas vezes. Fui demitido. Voltei para casa e acabei com todo o estoque que mantínhamos no apartamento, peguei meu carro ainda quebrado e saí sem rumo. “Diego, que é que você está fazendo?”, pensei. Dei de ombros. Eu andava por uma estrada deserta e já escurecia. O pôr-do-sol logo à frente e uma placa me transpareceu: “Perigo à frente. Volte”. A vida é uma estrada e eu já não podia mais frear e voltar. A placa, assim como minha mente, dizia que o que viria logo à frente era perigoso, mas eu não via retorno. Meus pais apareceram na beira da estrada, dizendo que aquele não era o Diego que eles haviam criado. Eu via minha ex-namorada morta no chão, ao lado de uma estranha cena onde eu esfaqueada meu ex-chefe, meu carro aparecia mais à frente, como novo, e com alguns dos meus antigos melhores amigos dentro. Quando passei-o, pelo retrovisor, não havia mais ninguém. Mais uma placa: “Ponte quebrada, risco à vida”, dizia. Minha vida já havia terminado à algum tempo. Vi Alexandre, que se transformou em um cone, e em vários cones, vários Alexandres. Tentei frear para não machucá-lo, para não machucar-me, mas de nada adiantou. Atropelá-lo era a única e melhor opção, ele havia acabado com tudo que eu tinha, ou pelo menos eu queria acreditar que havia sido ele. Acelerei e cones voaram, o carro voou, eu voei. Vi o pôr-do-sol pela última vez. E tudo se foi.

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