Nosso querido e bom pai celestial

Tão estranha essa sensação: esperar alguém morrer.

Me lembro quando eu era criança. Dizia sempre que ele era meu avô preferido, porque era quieto e calmo. Ele não brincava comigo, no máximo arrumava a máquina de escrever pra eu brincar nas teclas.

A verdade é que nem ele nem minha avó nunca se importaram comigo e saber que eles não gostavam de mim só foi piorando aquela sensação desagradável, mas eu gostava do macarrão. Às vezes ele descia pra ficar conversando com o porteiro e eu ficava na quadra, brincando. Não me lembro de ele se preocupar muito. Eu gostava de brincar com as bolinhas em que ele treinava a respiração, por causa do problema dele de pulmão, mas minha avó sempre dizia que aquilo não era brinquedo.

O tempo foi passando e ele deixou de ser o avô favorito, eu meio que acordei. Eles nunca foram muito simpáticos nem muito carinhosos, mas minha avó começou a me irritar profundamente e eu me afastei (pro desgosto da minha irmã).

Acho que eu só desisti no dia em que ele não sabia o meu nome. E aí, mesmo que a preocupação viesse, eu me lembrava que ele não se preocupava. Minha irmã sempre dizia ‘A culpa não é dele’, mas eu não sou tão besta.

Eu podia simplesmente dizer: ‘Por favor, vovô, não se vá!’, assim como todos fazem, mas acho que eu não sou assim tão egoísta. Ele vem tentando fugir disso, dessa vida, já faz um tempo, mas ninguém o deixa escapar.

Eu te liberto, vovô. Te liberto. Mas é claro que eu vou sentir saudades. A mesma saudade que eu já sinto faz um tempo, saudade de quando você era o preferido. Saudade de quando vocês não queriam que eu ficasse na casa de vocês e eu não percebia e saudade da foto que nós nunca tiramos. Peço desculpas por não te dar a devida atenção nesses últimos dias, talvez agora você entenda como era.

Pelo menos agora você ficou livre da minha avó.

Eu sinto muito.