terça-feira, 5 de outubro de 2010

Camisa de Força





Abri as cortinas, um dia lindo começava a clarear, pássaros cantavam e as margaridas balançavam com a brisa da primavera recém chegada. Toda aquela felicidade que vinha naturalmente com esse tipo de dia não aparecia pra mim desde criança, mas hoje seria diferente, eu sabia. O verde das folhas da tamarindeira já começava a aparecer.
O cheiro de poeira me fez lembrar o motivo de, depois de tantos anos, voltar ali. Hoje você vai saber de tudo, não se preocupe. Planejei aquele dia por vários anos, não fique nervosa. Tarefa difícil.
Fiquei sabendo que ele voltaria ali por meio de um site famoso em que as pessoas adoram contar sobre suas vidas. Imbecil. O fato de eu ter seu sangue não muda nada, não depois daquela noite. Ele havia destruído tudo o que me dava apoio, eu tinha ido morar com meus tios, mas é claro que não era a mesma coisa.

~

As cores do mundo desapareceram.
- Mamãe!
Mas ela já não me ouvia. Meu pai veio em minha direção cambaleando, tentando me fazer ficar quieta, mas eu fugi. Abri a porta e corri por entre os vales, até não ter mais fôlego. Não conseguia pensar em mais nada, e a cena de meu pai bêbado batendo em minha mãe até a morte nunca mais me permitiu sonhar. Quando o dia amanheceu e eu pude encontrar o caminho de volta a polícia já havia levado ela, sem nunca me dar adeus. A polícia, que viera rápido depois da denúncia do caseiro, nunca conseguira encontrar meu pai e, depois daquela noite, eu não havia nem chegado perto dessa cidade de algumas centenas de habitantes.
Até hoje.

~

Ouvi o barulho das chaves na porta. É agora. A arma pesava em minha mão. Ele entrou.
- Filha? Eu sei que você está aqui.
Mas como..?
- Não adianta se esconder filha, eu vim aqui pra te ajudar.
- Me ajudar? Qual o seu problema? Você é um assassino!
- Filha, você criou essa história na sua cabeça. Acho que você nunca suportou a culpa por ter causado a morte da sua mãe. Foi só um acidente, filha.
Saí rápido de onde estava, apontando a arma engatilhada para o seu peito.
- Mentiroso! Você matou a minha mãe! O que você quer? Me matar também?
- Querida, você fugiu da clínica ontem à noite, seus médicos estão lá fora, ansiosos pra saber se você está bem. Você não precisa fazer isso de novo.
Disparei, ele caiu. Como num súbito, policiais e pessoas vestidas de branco correram pra dentro. Os policiais vieram me segurar e os médicos foram socorrer meu pai. Um deles veio em minha direção e injetou algo em meu braço. Tudo que pude ver foi meu pai caído sangrando.
Oh meu deus! O que foi que eu fiz?
E tudo desabou.

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